A Caatinga despertava em
mim uma imensa curiosidade. Como será a mata branca? Em que aspectos ela se
parece com a minha ideia preestabelecida de mata? Para alguém nascida e criada
na Amazônia, habituada a entender a natureza a partir dos tons de verde
intensos e exuberantes da floresta tropical úmida e da abundância de água em
toda a dinâmica da minha região, era difícil [e extremamente necessário]
entender o ciclo da vida sob um novo olhar.
Há duas semanas, começava uma
viagem de carro a partir de Belém (PA) com destino ao sudeste do Piauí,
especificamente, à cidade de São Raimundo Nonato, que fica a 520 km de
distância de Teresina. O objetivo principal da jornada, que consistiu em dois
dias de direção (parando para dormir) e totalizou 1.430 km (apenas de ida), era
visitar o Parque Nacional da Serra da Capivara, uma Unidade de Conservação
Federal criada em 1979, com área de 135.000 hectares.
O Parque – declarado Patrimônio Cultural da
Humanidade em 1991, pela Organização das Nações Unidas pela Educação, Ciência e
Cultura (UNESCO) – possui a maior concentração de sítios arqueológicos com arte
rupestre pré-histórica do mundo e é voltado à preservação da Caatinga: único bioma exclusivamente brasileiro,
que em tupi-guarani significa “mata branca” (ka’a = mata e tinga = branca).
Vegetação
característica do semiárido.
Não
raro se vê menções à Caatinga como um ecossistema pobre em biodiversidade e em
variedade de paisagens, principalmente, quando ela é comparada às florestas
tropicais. Apesar de haver, de fato, menor diversidade de plantas e animais em
ambientes semiáridos, a fauna e a flora nessas áreas são adaptadas às condições
enérgicas, ocorrendo um alto índice de espécies endêmicas, ou seja, que só
existem naquele determinado local. E aí mora uma parte importante da magnitude
desse nosso bioma!
Paisagem
a partir da Toca do Veado, na Serra Branca.
Lagartixa-de-lajedo (Tropidurus helenae), espécie que só ocorre na Serra da Capivara.
Durante
meu encontro com a Caatinga, não só tive certeza de que ela é dona de uma
riqueza enorme como experimentei sensações que até então desconhecia ao
caminhar na mata. Como exemplo, os pássaros são muito mais fáceis de serem
avistados ali do que quando se está na floresta amazônica; e para minha
alegria, os passeios foram a todo instante coroados com oportunidades de observar
as aves (corrupião, pica-pau, arapaçu, can-can, jacu, andorinha, entre outras).
O aspecto predominantemente seco e arbustivo da vegetação, contraposto às
regiões de microclima que encontramos entre as rochas, faz com que se note e
valorize enormemente a presença de árvores de maior porte, como um juá ou uma
gameleira – sentimento menos percebido na floresta tropical. Apesar do sol intenso e constante nos percursos,
o clima seco me impediu de ter o corpo suado e as roupas molhadas nas trilhas,
condição que parece quase inerente ao ato de andar na mata para alguém da
Amazônia. Ao final do dia, a temperatura caía e fazia as noites agradáveis como
nunca experimentei em Belém.
O Corrupião
(também conhecido como Concriz ou Sofrê).
O juá.
Mas, infelizmente, não é só em
relação às características biológicas ou paisagísticas que se demonstra com
frequência ignorância ao contar [ou ao aceitar] a história da Caatinga como sendo
um lugar de pobreza. Também é assim na maioria das vezes em que se fala da
condição humana lá. Nesse ponto, quem nasce no Norte, sabe muito bem o que é ser
lido de forma equivocada, a partir de uma visão que restringe, generaliza e
trata toda a beleza da diferença como um elemento só, negativo e, em certos
casos, até pejorativo.
Como nos alerta a escritora
nigeriana Chimamanda Adichie, se ouvimos somente uma única história sobre outra
pessoa ou lugar e assumimos que aquela é a verdade, corremos o risco de reproduzir
um discurso sem sentido ou de ter pena ou desgosto por algo antes mesmo de ver.
Quando estava lá, percebendo todo
o encanto e a vivacidade do ambiente natural, dos trabalhos, das organizações
locais, dos povoados e dos moradores, lembrei da pergunta que vários amigos me
fizeram antes da viagem: por que escolhi justo o interior do Piauí para passar
as férias? E o único pensamento que consegui ter desde o dia em que cheguei na
Serra da Capivara era que eu já deveria ter ido e que deverão ir todos.
“Para quê?”, os mais insistentes [e descrentes]
podem querer saber. Para aprender que a experiência é grandiosa quando se está
aberto a vivenciar e que nem tudo que se ouve é verdadeiro. Para descobrir que
até mesmo o ditado popular nordestino que diz “mandacaru não dá encosto nem
sombra” pode ser contrariado quando se adentra o sertão com o coração.
A
sombra revigorante do mandacaru próximo à Pedra Furada.
Assim,
além de todas as sutis surpresas que ganhei como presentes ao [re]conhecer a
Caatinga, está o maior deles: encontrar as pessoas que fazem essa mata branca
tão grandiosa. Nesse sentido, dedico minha enorme gratidão e admiração, em
especial, ao condutor de trilhas Mário Afonso (Marinho), com quem tive a
alegria de conviver durante os dias lindos no Parque e quem me ensinou, de
forma simples, despretensiosa e muito valiosa, tantas lições [inclusive a do
mandacaru].
Conhecimento
e amizade compartilhados com Marinho. Foto: Ivan Vasconcelos.
Amei o blog! Estou ansiosa para conhecer, através das tuas palavras, outros lugares do Brasil e do mundo!
ResponderExcluirBeijos
Obrigada pela visita e pelo incentivo, Ananda! Logo, logo teremos novidades. Beijos pra ti
ExcluirParabéns pelo blog e pela divulgação de suas ideias e experiencias. Também gosto muito da escritora nigeriana que você admira. Quando planejar uma viagem destas, se precisar de companhia, me chame! Beijo!
ResponderExcluir